- Obrigado por ter vindo Ramirez, tinha
certeza que não me decepcionaria.
- Podia apostar meu tio, seu pedido
para mim é uma ordem. Cá estou para receber com humildade as suas determinações
e poder cumpri-las com esmero e sem vacilações.
- Agrada-me muito a sua postura meu
sobrinho, pode ter certeza.
- Estou pronto para ouvi-lo e ansioso
para executar as suas ordens sem mais tardar.
Num gesto lento e bem calculado, como
estivesse a sorver com deleite a ansiedade estampada na face do seu sobrinho
Ramirez, eis que Paco Sanches de Pádua gira duas vezes a chavezinha de bronze
na fenda da fechadura da gaveta central de sua escrivaninha de madeira de lei,
trabalhada em alto relevo. Puxa-a com força para si, e retira dela um rolo de
manuscrito em pergaminho e estende-o sobre a mesa. Faz um gesto para o seu
sobrinho se aproximar mais, e mostra-lhe um mapa muito bem elaborado pelos cartógrafos
remunerados por ele para tal missão que
deseja colocar em prática. Ao desfraldá-lo sobre a escrivaninha,
entusiasticamente diz:
- Isso que você está vendo é o mapa da
América do Sul. Aqui se encontra o gigante do continente – o Brasil. São mais
de oito milhões de quilômetros quadrados de terras das mais férteis, e de imensas
jazidas de minérios. Portugal que o colonizou, dele vem se locupletando há mais
de um século, todavia não conseguiu ainda dilapidá-lo nem um sexto.
- Engraçado meu tio, na faculdade, nas
lições de direito territorial e marítimo, pouco se ensinava sobre essa ação
portuguesa. É meio vaga essa questão entre Brasil/Portugal. Divaga Ramirez.
- Pois é. Com o feito em 1492, da
descoberta da América por Cristóvão Colombo a serviço de Isabel Castela,
Portugal entra em reboliço. A Coroa portuguesa, dois anos depois, através de
uma bem sucedida ação de sua diplomacia, conseguiu pelo Tratado de Tordesilhas
imensa porção das terras brasileiras, antes mesmo da expedição de Pedro Álvares
Cabral. A sua Faculdade também não lhe ensinou que tanto a Espanha como
Portugal foram laureados com o honroso título de “Rainhas do Mar”, pelos seus
feitos náuticos obtidos, no século XV, os quais se estenderam até os meados do
século XVI?
- Sim, meu tio, isso é dito em prosa e
verso pelas escadarias da escola. Fez uma pausa e apontando para o pergaminho
continuou:
- Bem aqui no sul deste gigante, entre
as dezenas de ilhas e ilhotas, protegida por essa vasta selva atlântica, se vê
esta baia exuberante – é a baia de Guarapirocaba,
encravada no litoral norte da região. Ela é a única de todas que mais
adentra ao continente, dando condições de garantias excelentes a esconderijos e
trocas de mercadorias entre sitiantes e a pirataria de alto-mar.
Ramirez atento em sua posição de
ouvinte, com olhar perscruto sobre o mapa, não se contendo exclamou:
- Não me diga que o senhor meu tio já
esteve por lá?
Paco, ignorando a pergunta de seu
sobrinho, prossegue em sua narrativa:
- Seguindo essa linha de corrente
marítima até o seu final, que é nada mais nada menos que o canal da baia, onde
as águas são mais cristalinas e mais profundas, podemos avistar aquela ilha ali
que leva o nome de Corisco. As águas que
margeiam os seus dois lados são as dos rios que veem de encontro com a baia. Do
lado direito é o rio Cachoeira, e do lado esquerdo são as águas do rio do
Cacatu.
Percebendo o interesse do seu sobrinho
Ramirez à sua exposição, eis que Paco sente-se mais animado em prosseguir em
sua dissertação. Por um instante deixa o pergaminho desfraldado aos olhos
prescritivo do sobrinho, vai até a prateleira e retira uma garrafa de licor de
tâmara, guardado para ocasiões especiais. Apanha dois cálices do pregador e
manda Ramirez que se sirva também. Volta a ocupar o lugar de antes e recomeça
sua exposição. Nesse dado momento ouve-se uma batida na porta. Paco pergunta
quem é e a resposta vem em seguida:
- Sou eu, Pe. Juan Scheverria! Abre-se
um enorme sorriso em seu rosto e responde incontinente.
- Já vou abrir Pe. Juan, espere um
instante!
Abre a porta e ao vê-lo, se envolvem
num grande e cordial abraço.
- Quanto tempo meu querido jesuíta fujão! Por onde andou que não
consegui achá-lo? Nem sua Ordem quis me informar onde estava, embora eu
insistisse em me identificar! Seus superiores e colegas pediam mil desculpas e
tergiversavam quando eu os espremia. A princípio cheguei a pensar que você
tivesse sido morto nesses conflitos de etnias que frequentemente ocorrem por
aí, vítima de uma flecha desferida por algum desses índios malucos nessas
selvas desconhecidas. Cheguei até ao ponto de ameaçar interromper minha ajuda
financeira a Igreja se não me informassem o seu paradeiro. Confesso que me dei
quase por vencido diante da inflexibilidade dos seus superiores. Mais tarde vim
a saber que uma Ordem não tem nada a haver com outra, e que as minhas ameaças
de interrupção de ajuda financeira não surtiria efeito nenhum sobre a sua,
diante desses argumentos me rendi.
Pe. Juan quase morria de tanto rir do
jeito de seu amigo, e ao mesmo tempo sensibilizado pela enorme preocupação que
este havia lhe dispensado.
- Engraçado – disse Paco – eu a me preocupar com tua vida, e você
fazendo pouco caso com esses risos de escárnio. Ora bolas!
- Não é nada disso Paco, não estou
zombando não! Estou rindo sim do seu jeito satírico de expor o fato, lhe fazendo esquecer até de me apresentar o seu
amigo aí atrás.
Disse-lhe Pe. Juan com afeto.
Desta feita, ao se entreolharem novamente,
ambos começaram a rir pra valer ao ponto de contaminar o próprio Ramirez.
- Desculpem, desculpem, é que eu já
estou ficando velho, e esses espasmos costumam ocorrer de vez em quando. Este é
o meu sobrinho Ramirez Vetruvio Almandez, Pe. Juan.
- Vitruvio Almandez? Não seria por
acaso filho do finado Arnaldo Almandez?
- Exatamente padre. Conheceu meu pai?
- De certo que sim, fomos adversários
em várias competições de xadrez promovido pelo Esportivo de la Rose. Intercalávamos
tanto nas vitórias como nas derrotas. Posso lhe garantir que sempre fora um
competidor honesto – tanto sabia ganhar como perder. A propósito como está D. Almerinda?
- Ah padre! Sempre com mania de doença
para ganhar o meu compadecimento e dos seus três irmãos! (Risos).
- É a única arma que dispõe – é
natural que a use. Intercede o padre em
defesa de sua mãe.
- O Senhor é jesuíta? De que Ordem?
Por favor, não me interprete mal, é que eu não entendo muito dessa hierarquia
clerical.
- Não tem porque se desculpar não
Ramirez. Pertenço a uma Ordem chamada Sociedade ou Companhia de Jesus, como
queira, fundada por Santo Inácio de Loyola, nos idos de 1534, em Paris. Atuo mais
precisamente nos campos e nas catequizações de silvícolas. Agora mesmo estive
juntamente com mais dois colegas numa missão muito especial, a fim de apaziguar
correntes divergentes na Igreja. Eis a razão do meu desaparecimento súbito, e
do segredo por parte dos meus superiores e colegas. Virando-se para o Paco
emendou:
- Ficou claro agora Senhor Paco
Sanchez de Pádua?
- Desculpe padre, também não sou
nenhuma pitonisa a vaticinar por aí os segredos do Clero. O que sei é que senti
falta do amigo e apelei para as armas que dispunha. O fato é que eu precisava
muito me aconselhar com alguém e nada melhor que o Pe. Juan pensei...
- E pensou muito bem!
Pressinto que você escolheu o melhor conselheiro disponível no mercado (Risos).
Logo agora que saímos vencedores de uma missão muito difícil que nos foi
conferida.
De súbito levantou seu braço direito a meia altura e com o dedo indicador em riste orgulhosamente exclamou:
- O Clero está apaziguado!
Como recompensa eu e meus dois colegas ganhamos três meses de merecidas
férias.
- Padre, então aproveite e prove deste
licor que mais parece o néctar dos deuses. É importado dos Emirados Árabes para
ocasiões como esta. Tenho mais dois guardados ali, não hesitem em consumi-lo.
Pe. Juan Scheverria – Sujeito jovem, trinta e
seis anos muito bem vividos. Poliglota e possuidor de uma cultura admirável.
Com grande desenvoltura domina o Francês, Inglês, o Alemão, o Português e ainda
alguns dialetos indígenas. Já esteve em missão no Brasil. Contraiu *sezão, e
teve que ser repatriado em busca de melhores recursos. Tão logo retornou ao
Brasil já participou de alguns dissídios envolvendo os aborígines e caboclos do
interior baiano Sua prática esportiva regular é arremesso de dardos e corridas
de curta distância. Tem corpo atlético, mede 1m75 de altura. Fala mansa e
pausada. Conheceu Paco em um desses conclaves católicos, e a partir daí
construíram sólida amizade.
-Tua vinda aqui foi providencial
padre! Estava mostrando a este jovem o interior do Brasil, mais precisamente a
sua região sul.
- Já ouvi falar dela Paco? É rica em
minérios nobres. Afirmam até que a riqueza em seu subsolo é incomensurável.
Precisaria várias frotas de navios para poder transportá-la.
-
Pois é exatamente aí que eu quero
chegar.
- Com aquiescência de todos gostaria
também de ouvir a sua explanação.
- Claro, claro! Aliás, você também é
uma peça nesse tabuleiro.
- Como assim?
- Você já vai ficar sabendo
amigão!
- Confesso que estou começando a gostar
dessa história (Risos). Vou me servir outra vez do néctar dos deuses – vocês me
acompanham? Pergunta Pe. Juan.
Recomeça Paco a sua dissertação:
- Assim como essa ilha – o Corisco –
espalham-se dezenas de outras maiores e menores por essa baia afora.
Apontando com o indicador para o mapa,
diz:
-
Voltemos então aqui, quase no princípio da Baia. Bem se vê esta ponta de morro
protuberante com os seus cento e cinquenta alqueires, adentrando em suas águas
mais profundas, garroteando as suas margens direitas. Tem mais de dois mil e
quinhentos metros lineares, e que leva o nome de Ponta Grossa – batizada por
seus nativos caiçaras. Esta ilha serve de
mirante as piratarias ocasionalmente, é ali que se embrenham e camuflam seus
espólios.
- Tio e essas águas que
margeiam as esquerdas, também fazem parte do seu complexo? Pergunta Ramirez.
- Sim e não! Mais dez ou
onze milhas ao seu lado esquerdo, ainda estão às águas da baia de
Guarapirocaba. A partir daí, já pertencem à baia de Paranaguá, dividida por
essa linha divisória representada por essa corrente marítima bem visível a olho
nu aqui no mapa.
- Eu a vejo claramente, meu tio – não há como
ignorá-la.
- Pois bem, logo ao
norte, ou seja, atrás da Ponta Grossa, há esses pequenos rios aparentando
vielas. Nascidos ao longe, vêm se juntar bem atrás dela, daí formando um só com
seu afluente indo em direção ao mar. Com a força que vêm ao darem de encontro
com ele forma este redemoinho. É o chamado trigêmeo, formado pelos rios
Menininho, Cutia e Faisqueira. Quaisquer destes três rios, a duas milhas de
frente da Ponta Grossa, seguindo o sentido norte, levará infalivelmente você a
uma outra bem escondida, do lado esquerdo que se segue, de sessenta e nove
alqueires de terras de boa qualidade e de uma vasta vegetação que cobre toda a
sua extensão. Habitada unicamente por índios daquela região e batizada de
Sambaqui, devido a uma grande quantidade de colinas existentes nela, resultante
de acumulação de conchas, cascas de ostras e outros detritos de cozinha
depositados em seus diversos pontos. Os índios Carijós, seus habitantes, não
denotam hostilidade, não obstante portarem arcos e flechas. Não medem muito
esforço no trabalho, pois são providos de alimentos e outras necessidades que a
própria natureza lhe dispõe. Aceitam, todavia, trocas eventuais com os brancos.
Apreciam muito os objetos de cores vivas e flamejantes, assim como colares e
braceletes, facas e facões com bainha em couro curtido.
Ramirez Vitruvio Almandez, no vigor dos seus 25 anos. Boa aparência. De
índole impetuosa, espírito aventureiro. Mede um metro e setenta e quatro
centímetros de altura. Claro, de cabelos castanhos escuros – bem parecia com
seu pai. Tez tostada pelo sol do verão que castiga Madri ainda nos seus
primeiros dias. Veste-se originalmente quais os moços de sua idade. Acabou
recentemente com um namoro que já duravam oito meses. Jurou dar um tempo em sua
nova conquista. Não é como os seus contemporâneos que gastam o tempo em
namoricos pueris. Bacharelou-se recentemente em direito pela “Academia Católica
Fernando Garcia”. Ainda não decidiu se exerce ou não a profissão, pois nunca
foi de sua vontade fazer advocacia – o fez, no entanto, a pedido dos seus pais.
No momento ajuda seu tio Pablo em alguns dos seus negócios mais intrincados com
competência e zelo que, em reconhecimento o remunera muitíssimo bem.
- Afinal Paco, onde você
quer chegar? Indaga o padre.
- O que quero dizer a
vocês dois, é que acabei de adquirir esta ilha, ou melhor – me associei a um
fidalgo português, donatário da Capitania de São Vicente lá no Brasil, que me
entrega a administração desta, ficando com ele uma parte menor na participação
nos lucros.
-E os nativos? Como o
Senhor meu tio vai fazer para removê-los de lá? Pergunta Ramirez até com certa
prudência.
-E, quem garante que são
cordatos, que não irão se insurgir contra quem pretender lhes roubar seu
habitat? Arremata Pe. Juan.
-E quem disse que eu vou
tirá-los de lá?
- Não estou entendendo –
explique-se melhor Paco! Agora é você que escarnece a situação! Isso é uma
loucura, ou melhor, você está brincando com uma coisa muito séria! Você não
conhece os silvícolas, não aquilata as suas reações. Eu os conheço muito bem,
sei o quanto eles são capazes quando se sentem ameaçados! Argumenta Pe. Juan.
- Como já disse, não
pretendo retirá-los de lá, e sim, conviver com eles pacificamente trabalhando
para nós.
- Você quer dizer como
escravos? – pergunta Pe. Juan de cara feia, e em tom grave de voz, dando em
seguida um salto da cadeira.
- Remunerados é claro –
os escravos nós os recambiaremos diretamente da África. Esclarece Paco.
- E você acha que eles –
os índios aceitariam “pacificamente” essa situação? Mas uma vez torno a
repetir: você não os conhece!
- Nós tentaremos
pacificá-los tornando-os nossos amigos. Rebate Paco.
- De qualquer forma
Paco, não deixa de ser uma aventura muito arriscada. Isso requer no mínimo
muita experiência no trato com eles, e no máximo muita confiança por parte
deles – e isso é desgastante Paco, pois leva tempo e se consome dinheiro...
- São os riscos que nós
devemos correr – há outra maneira? Se tiver, por favor, diga Pe. Juan, mas não
fique aí com esse ar de censura.
- Da minha parte, levando
em consideração todas as possibilidades que possam advir desta empreitada,
acho-a, contudo, excitante e, não vejo como não tentar achar fórmulas para
resolver da melhor maneira essa situação de impasse virtual. Intervém Ramirez.
- Ramirez, na prática a
teoria é outra. Este caso requer não é
para principiantes. Sinceramente, não vejo em vocês os mínimos ingredientes
exigidos para a missão. De maneira
terna, Pe. Juan tenta convencê-los.
- Mas como diz o velho
chavão: se não puder com o inimigo, una-se a ele. Os índios poderão ser
cooptados para que se tornem co-partícipes dos negócios gerados na ilha. Além dessa variante, há outras que poderão
ser testadas, se não surtir os efeitos esperados. Contra argumenta Ramirez.
- Sinceramente não estou
muito convencido que isso possa dar certo, além do mais, tornar-nos-íamos
reféns deles dentro de seu próprio território, caso burlássemos alguns itens do
tratado. Digo isso, e que soe como um alerta. Os índios, não obstantes puros, o
são também, de uma capacidade de raciocínio muito aguçada. Percebem de longe
quando alguém quer lhe passar para trás. Diz Pe. Juan andando pensativo de um
lado para outro da sala.
- De qualquer forma
haveremos de arriscar. Você Pe. Juan, por exemplo, tem muita experiência no
trato com os silvícolas, até poderia me ajudar nessa empreitada, não? Quanto ao
Ramirez, gostaria que comandasse essa expedição. Ah! Gostaria também que você,
Pe. Juan, conversasse com os seus dois colegas para que fossem também.
- Você quando põe uma
coisa na cabeça não há quem tire hein, seu Paco Sanches de Pádua! No momento eu
não lhe garanto nada. Vou estudar melhor essa questão, e depois, eu lhe dou a
minha resposta. Replica Pe. Juan.
- Então bebamos junto o
néctar dos deuses? Propõe Paco, esfuziante a essa altura.
- Ainda é muito cedo para
comemorarmos, mas de qualquer forma sirva-me mais um antes de eu ir embora.
- Eu sabia que esse licor
iria agradar a todos! Deixe-me abrir outra garrafa, pois essa aqui pelo jeito
já acabou. Quanto a você Ramirez também terei que esperar por sua resposta?
- Se sua vontade meu tio é
que eu siga com a expedição – assim será – seguirei para o sul do Brasil e
aportarei na ilha de Sambaqui, ao norte da Baia de Guarapirocaba.
- Ainda bem! Cheguei a
ficar preocupado que você fosse ser influenciado pelos argumentos do Pe. Juan.
- Não obstante os
argumentos do padre não deixem de conter uma grande dose de coerência – essa empreitada esta soando como o maior
desafio da minha vida. Transbordo de emoção só de imaginar a hora chegando meu
tio. Sentencia Ramirez com Risos.
- Assim é que se fala meu
sobrinho! Se seu pai estivesse vivo por certo se orgulharia de você. Já tenho
quase todos os elementos da expedição escolhidos, só estou esperando uma leva
de escravos que me foi oferecida pelo meu sócio português. Disse que estão
sendo transportados de Luanda e Bengala. Claro que também reconheço a
imprescindibilidade do Pe. Juan e de seus colegas para que se complete o
plantel, todavia pressinto que a viagem terá que ser adiada, uma vez que o meu
amigo aí está um tanto titubeante. Diz Paco com um gesto de cabeça dirigido ao
sacerdote.
- Você é mesmo um
reconhecido embusteiro Paco! Não vem com essa pantomima já desgastada querendo
me sensibilizar que eu já a conheço de cor e salteado. Você não nos convidou e
sim nos sentenciou, e isso inclui o Ramirez, sem nos dar nenhuma alternativa,
isso sim! Mesmo que eu me recusasse a ir, você usaria de outros artifícios
junto aos meus superiores da igreja e eles me mandariam a missão.
- Meu Deus! Como você pode
imaginar isso de mim, me conhecendo a fundo? Você sabe do respeito e a estima
que tenho por vocês dois, jamais mandaria vocês a uma empreitada conhecendo
seus riscos.
- Ah, Paco! Pare de
representar que isso não lhe cai bem! Se me quiser na missão terá que esperar minha decisão. E, se tiver que adiar
a viagem, pois adie que eu não estou nem um pouquinho preocupado. E, agora se
me derem licença tenho que ir, como eu estou de férias, preferi ficar numa
hospedaria para não ter que incomodar ninguém. Boa noite cavalheiros!
- Espere! Nós o
acompanharemos. Além do mais não é sensato andar por essas ruas escuras essas
horas da noite assaltantes ficam à espreita a espera de uma presa para
tirar-lhe o couro. Chamarei meus seguranças para ficarem na retaguarda –
esperem um instante só. Paco se envereda rapidamente pelo corredor e
desaparece.
- Você está certo! Não
vou dispensar as suas escoltas, pois em ocasiões de festas há larápios se insurgindo por todos os lados.
- Pronto Pe. Juan, já
podemos ir! Eles já estão nos esperando na porta do empório. Vocês não hão de
perceber. Uns vão adiante e outros garantem a nossa retaguarda. Passaremos primeiro
pelo seu hotel Pe. Juan e em seguida iremos à casa de minha irmã para entregar
o Ramirez, certo senhores? Amanhã às cinco da tarde reiniciaremos a nossa
conversa e espero que o meu dileto amigo e conselheiro também esteja presente.
- Farei o possível para
não faltar! Responde o padre.
- Aproveitando a sua
presteza e boa vontade, será que haveria inconveniência em trazer também seus
dois colegas de batina? Incontinente, num gesto de defesa e paz antecipada, com
as duas mãos para o alto, completou:
- Só estou perguntando e
não sentenciando, que fique bem claro! Prontificou-se Paco em esclarecer.
- Vamos ver o que posso
fazer. Espero que não tenham ainda viajado para casa de seus familiares onde
pretendem passar boa parte de suas férias.
- Caso eles queiram vir,
por favor, Pe. Juan me avise ainda pela manhã para que eu possa me preparar
melhor para recepcioná-los condignamente.
-Não é preciso Paco, eles
não são pessoas dadas a cerimônias pomposas – são simples e de fácil
entendimento.
- De qualquer forma
ficaria muitíssimo grato se você me avisasse, pois não?
A festa de São Thiago, em
Madri, costuma ocorrer logo no primeiro domingo de janeiro, e se estende até o
próximo com uma grande procissão saindo da Matriz de N.S. da Conceição,
carregando o santo no andor até a sua própria igreja na rua do cais do porto.
Ao término do *corso acontece a esperada queima de fogos de artifícios. Nesses dias a cidade se enche de romeiros. Muitos
vão a pé de suas cidades e lugarejos até a sua Igreja, num ritual de
penitência, em pagamento de suas promessas pelas graças recebidas. Outros vão
mais além, se entregando às imolações, como forma de receber graças e
indulgência.
Madri é uma cidade
católica por excelência, vive todos os dias do ano repleta de viajantes,
viandantes e romeiros, vindo das cidades mais próximas às mais longínquas. Isso
lhe rende divisas, e ajuda a sustentar sua economia. Outra atividade é seu
potencial na indústria naval. Ela, com o know-how
do título que ostenta juntamente com Portugal de “Rainhas dos Mares” ampliam a
cada ano suas exportações de naus e navios aos países que margeiam os
continentes. Seu principal concorrente é Portugal com seus estaleiros portentosos
e possuidor de tecnologia moderna na astronomia. Isso já vem desde há dois
séculos, onde o infante *D. Henrique, seu incentivador mor, dava muita
importância ao estudo da astronomia na famosa “Escola de Sagres”, onde foi um
dos seus maiores incentivadores e mantenedor. Com sua morte, veio arrefecer-se
um pouco o ímpeto dos audazes discípulos de Sagres, a aonde então, a Espanha,
veio igualar-se a ele.
Capítulo III
A Expedição já tinha nome
- chamar-se-ia “Eterna Juanita”, em homenagem a sua mulher prematuramente
falecida de febre tifoide. Seria composta de sessenta homens e mulheres,
contando com os escravos que viriam para se juntar a ela. Paco abriu um crédito
ao seu contratador, homem de muita experiência e de não menos confiança para
compra de suprimentos com sobras para que nada faltasse em viagem e muito menos
no primeiro mês de estadia na ilha, como também na escolha a dedo dos elementos
contratados. Estava estudando também a possibilidade de mandar em seguida mais
dois navios abastecidos de suprimentos, e mais mão-de-obra especializada,
incluindo mais escravos.
O navio já
se encontrava atracado no cais do porto recebendo todo o abastecimento
necessário. Estava implícito também, que não seria içada a bandeira espanhola
em mares brasileiros para não despertar atenção por parte dos portugueses,
especialmente dos possuidores das “Três *Sesmarias” das bandas de Guarapirocaba
– muito embora de posse de salvo-conduto, expedido pelo fidalgo português
donatário da Capitania de São Vicente – agora seu sócio.
Paco queria se cercar de todas as garantias
para que fosse levada a bom termo a finalidade da expedição, e consequentemente
o bem estar de todos os expedicionários - mormente onde se encontrariam seus
dois queridos amigos e sobrinho. Decidiu que até o dia do embarque, instruiria
o seu sobrinho Ramirez usando para isso mestres no assunto, que já se mostrava
ávido em querer se inteirar desses assuntos.
Em todas essas decisões,
Paco nunca deixou de pedir a Deus e ao seu santo devoto, orientação e ajuda
nessa empreitada que logo se iniciaria. Queria a todo o custo, e não mediria
sacrifício para que os três jesuítas fossem também, tamanha a confiança que
depositava no Pe. Juan. Enfim, Paco se acercara de homens do melhor naipe,
desde o feitor até os seus capatazes – portanto, todas as providências seriam
tomadas com toda convicção.
Porém, ficara marcado em
sua lembrança o aviso de seu amigo Pe. Juan, sobre o caráter dos nativos das
diversas regiões do Brasil Colônia. E, isso começou a suscitar nele a
necessidade de uma reavaliação no processo de desembarque da expedição àquela
ilha. Queria mais dados, mas a quem recorreria afora os três jesuítas? Isso lhe
consumiu várias horas acordado, só se desprendendo do problema altas horas da
noite quando o sono já lhe abatia os
sentidos. Só veio se dar conta de si, quando a empregada Elvira bate a porta de
seu quarto com o café já a sua disposição.
-Que horas são Elvira?
-São nove horas e um
quarto, senhor Paco – hoje o senhor dormiu um pouco mais – não costuma acordar
essas horas.
Nota: *Era o nome dado às terras que,
na época do império o Rei de Portugal cedia aos agricultores que eram os
sesmeiros para plantar e cultivar.
Segundo o historiador Cláus Luiz Berg,
do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, em seus livros, “Antonina, a
Vovó do Paraná,” e “Antonina – 360 anos de História,” ela fora fundada com a
vinda dos três sesmeiros portugueses em 1646. Antônio de Leão, Manoel Duarte e
Pedro de Uzeda. Na época foi lhe dado o nome de Guarapirocaba, que só veio a
ser mudado com a visita de D. Pedro II
ao município em 1881, que, em homenagem ao seu filho Antônio, passou a se
chamar Antonina – portanto, um onomástico de Antônio.
-Fui dormir muito tarde,
só isso. Alguém me procurou, tem algum recado?
-Espere um pouco Senhor
Paco que eu vou chamar o José. Parece que alguém lhe mandou uma mensagem sim.
Nesse ínterim, Paco dá um
saldo da cama e se troca depressa. Lava o rosto, completa sua higiene matinal e
quando ensaiava sair do quarto se depara com José que já vinha ao seu encontro.
- Bom dia senhor Paco,
dormiu bem?
- Sim José – então, tem
alguma coisa a me entregar?
- De certo que sim! O Pe.
Juan lhe procurou, mas como o senhor estava dormindo não quis lhe incomodar,
mas deixou um recado confirmando que os seus dois amigos padres também estarão
presentes na reunião.
- Oxalá! Foi a melhor
notícia que eu poderia receber, obrigado José, você é um grande rapaz. Com
alegria estampada na face despede-se de José.
- Espere aí senhor Paco!
O pessoal do empório está lhe aguardando impaciente, pois disseram que
receberam mensagem de um tal português que diz ser seu sócio, e que o informa
que a encomenda já está no cais do porto.
- Meu Deus! Tudo de uma
vez só é de mais para um só coração. Vou já pra lá!
- Seu Paco, o senhor não
vai sair sem antes tomar o seu café, não vou deixar não! O pessoal do empório
que espere. Vá tratando de sentar aqui e comece a comer desses pãezinhos de
queijo que fiz agorinha. Além do mais, o senhor nunca sai sem antes fazer a sua
oração a São Thiago ali no altar. Me obedeça!
- Obrigado Elvira por me
chamar a atenção! O que seria de mim, se não fosse você cuidando-me com tanto
zelo. Vou fazer sim o que me manda, e pedir desculpas ao meu santo querido pela
falta de atenção por alguns segundos.
- Assim é que se fala
senhor Paco! Tenho a impressão que a D. Juanita está lá no céu regozijando de
alegria.
- Assim seja, Elvira,
assim seja...
Após cumprir o seu
ritual, vai direto para o empório, sendo seguido discretamente pelos seus
guarda-costas.
- Ramirez, por onde andou
ontem que chegou tão tarde, você não costuma fazer isso? Pergunta D. Almerinda
com ar inquisidor.
- Encontrei-me com alguns
amigos minha mãe, e fomos ao clube jogar uma partida de xadrez.
- Engraçado, sua irmã o
viu através da vidraça da janela do seu quarto chegando ontem em companhia do
Paco, seu tio.
- Sim é verdade, o tio
Paco também estava no clube e ao me ver deu-me carona, pois já era tarde, e
sair sozinho por aí nessa escuridão é muito arriscado – a senhora não acha
minha mãe?
-Sim, sim! Foi muito
sensato da parte dos dois.
-Se a senhora me der
licença tenho que ir à firma, pois meu tio já deve estar sentindo a minha
ausência.
-Hoje lá pelas cinco da
tarde irei ao cemitério levar flores ao finado seu pai. Vou com Mercedes sua
irmã, você não quer ir junto?
-Desculpe minha mãe, mas
hoje não vai ser possível, pois tenho uma reunião com todos os empregados do
meu tio. São novos procedimentos que serão empregados que na burocracia das
empresas. Mas fica para a próxima semana
– não faltarei, fique certa!
Está bom filho, vá e
entregue o meu beijo de dedicação ao meu irmão caçula, e diga-lhe que eu o
estou lembrando que faz três dias que ele não vem me ver.
-Pode ficar tranquila que
eu darei o seu recado. Agora me dê sua bênção e até mais à noite.
Paco ao chegar ao empório
deparou com uma romaria na porta do seu escritório. Eram os compradores,
vendedores, capatazes, funcionários querendo passar os negócios do dia. Todos o
olharam pasmo, pois nunca aconteceu de ele chegar tarde à empresa. Sempre foi o
primeiro a chegar e o último a sair. Pensavam alguns que alguma coisa estava
acontecendo de anormal, pois nem seu sobrinho estava presente.
Após atender um a um com
muito boa vontade e presteza, foi a vez de receber seus funcionários que lhe
passavam o movimento do dia, inclusive o encarregado das correspondências, uma
espécie de porta-voz, lhe explicava que o seu sócio português lhe avisava que
tinha uma encomenda lá no cais do porto, e que já tinha tomado as devidas
providências mandando pra lá o seu contratador para recebê-la e não deixar
faltar nada. Estava então tudo sobre controle, dizia o seu porta-voz.
- Vocês são muito
competentes, tenho muito orgulho em tê-los trabalhando para mim.
- Obrigado Paco pela
confiança que nos deposita, se nós podemos resolver essas questões, porque
incomodar você que anda tão atarefado com a expedição? Então, como foi a
reunião de ontem a noite, convenceu Ramirez?
- Sim. Esteve também
presente o Pe. Juan Scheverria. Ficou acertado para hoje as cinco em ponto uma
nova - agora com a presença de mais dois jesuítas, colegas do padre.
-Não me diga Paco que as
coisas estão se encaminhando tão rapidamente assim? O Pe. Juan não andava sumido?
- Sim, esteve resolvendo
uns problemas para a igreja, mas já voltou e o que tudo indica irá, espero
convencer seus colegas a irem também.
- Sabe Paco que às vezes
me dá vontade de ir também?
- Nem pensar! Qual é,
agora todos resolveram querer me abandonar? Você Carlos é imprescindível aqui!
Além do mais nem você quanto eu não temos mais idade para aventuras. Resolva
esta questão dos escravos com o contratador da melhor maneira possível, só me
avise quantos são no total.
- Parece, ainda não tenho
dados oficiais, mas está na casa dos sessenta, dos quais quinze são mulheres.
Disse seu sócio português que lhe custou uma fortuna. Que são todos de boa
reputação e higidez, com uma média de idade que varia entre vinte e cinco a
trinta anos. São todos fortes e altos. O contratador Timóteo foi responsável
pela triagem junto a eles, você sabe como ele é muito meticuloso em tudo que
faz.
- Onde estão eles? Em que
parte do cais?
- Já estão todos alojados
no navio sendo bem alimentados e em ótimas condições de higiene – não era assim
que você queria Paco?
- Não se esqueça Carlos
que eu e você somos cristãos católicos, e que devemos abominar veementemente
como condição, todas as formas de *sevícias e injustiças praticadas a quaisquer
que sejam as raças. Ah! Procure também saber com o Capitão, por quantos meses e
dias durará o périplo? Fale também com os cartógrafos se já terminaram a carta
marítima da baia e seus afluentes do lugarejo de Guarapirocaba.
- Ficaram de me entregar
hoje à tarde Paco – está tudo sobre controle. Estive lá ontem – ficou muito
bonito e fácil de entender.
Nesse momento Ramirez
acaba chegando, e após transmitir o recado de sua mãe, se envolve na conversa.
Carlos passa em seguida a lhes prestar todas as informações, inclusive de que
ele terá a partir de amanhã aulas com os práticos em navegações além mar.
- Acho conveniente eu dar
um tempo sem ir até lá ver sua mãe. Suponhamos que no ardor de nossa conversa,
eu cometa algum deslize, você sabe o quanto ela é perspicaz, vai especular o
tempo todo até arrancar de mim uma confissão. Sendo assim, vamos esperar para a
véspera da viagem – aí sim não haverá mais tempo dela usar de seus argumentos
de persuasão com você. Estou certo Carlos? Já que o Ramirez, nesse caso é
suspeito de exarar opinião.
-Está coberto de razão,
Paco – D. Almerinda não é mulher de se conformar facilmente – ela usará de
todos os recursos para impedir a sua ida Ramirez.
-Eu sei senhor Carlos, irá
improvisar tantos chiliques que será difícil não atendê-la. Diz Ramirez.
Nesse caso esperemos até a
antevéspera da viagem. Afinal, quem vai lhe dar a notícia, você Paco ou o
Ramirez? Pergunta Carlos.
- Que você acha?
-Acho a decisão muita
sensata. Querem uma opinião? Nada de prolixidade – terá que ser breve e
resumido – e que não cause impacto.
-Seguiremos o seu
conselho, Carlos, de qualquer forma muito obrigado.
- Agora, se me dão
licença, vou almoçar e passar à tarde no cais do porto. Um montão de afazeres
me espera por lá. Tome Ramirez o endereço dos seus professores – eles esperam
por você amanhã às quatro da tarde, não falte. Até mais senhores. Até lá já
estarei de posse da nova carta já concluída pelos cartógrafos. Você irá de
posse dela; seus professores a estão esperando.
- Quanto a mim darei um
pulo até a cantina do seu Romualdo e almoçarei por lá. Quero aproveitar e ir a
uma loja aqui bem perto comprar algumas roupas e botas adequadas para a viagem.
Diz Ramirez levantando-se da cadeira.
- Bem pensado Ramirez,
nada se deixa para a última hora. Também vou almoçar e dar uma passadinha pelo
banco e assinar alguns papéis. Hoje vai ser um dia que terei de usar de muita
diplomacia para convencer o Pe. Juan e seus dois colegas. É de suma importância
eles irem com você.
- Eu sei meu tio, por isso
no que depender de mim, não medirei esforço para fazê-los a aceitar.
- Se o Pe. Juan concordar
em se integrar a nós, os outros seguirão a sua decisão. Pressinto isso.
Quando Ramirez e Paco se
preparavam para deixar o escritório, eis que o contratador aparece rápido e
arfante no escritório, e exclama:
- Houve uma tentativa de
fuga dos escravos. Alguns já foram capturados, outros estão sendo ainda
procurados, mas suas capturas serão iminentes – apenas uma questão de horas.
- Mas quando isso
aconteceu e como eles conseguiram? Pergunta Paco muito preocupado.
- Não sabemos ainda, senhor Paco! Só sei que
eles se encontravam juntos em convívio amistoso no porão e soltinhos, sem
grilhões de nenhuma espécie, e sendo bem tratados – foi a determinação que
recebi do senhor Carlos, e repassei aos empregados que os vigiavam. Eles,
decerto, num descuido ocasional, tomaram-lhe as armas e os mantiveram como
reféns. Pressupõe-se que eles já estavam se preparando para isso desde a sua
vinda. Os que vieram trazidos de Luanda, não estavam de acordo com os de
Bengala. Houve até um princípio de tumulto entre os dois grupos, todavia foi
debelado pela intervenção eficaz dos nossos empregados. No relatório entregue a
mim, assinalam os nossos empregados, que há na facção de Luanda um negro de
estatura acima da média, de boa aparência, de sabedoria inconteste, e que é
respeitado pelos seus colegas como uma pessoa de poderes extrassensoriais.
Diz-se até, que seja uma espécie de xamã
que previa essa insurreição como uma enorme estupidez. Ele atende pelo
nome de Cabima.
- Muito interessante
esse detalhe Timóteo. Quero mais informações sobre esse episódio e sobre tudo,
sobre esse feiticeiro – sua ficha completa.
- Vou providenciar isso
com máxima precisão. Agora mesmo, vim só para deixar-lhe a par do ocorrido. Qualquer
novidade eu lhe informo. Nessas alturas o senhor Carlos já deve estar lá me
esperando. Há mais alguma coisa que queira me pedir?
- Não Timóteo, qualquer
coisa eu transmito ao Carlos!
- Então já vou indo, até.
Para Paco, um problema
inesperado – ter que agora, logo no limiar da viagem, destrinchar essa
intrincada situação. Seu caráter de homem sensível, de profunda religiosidade,
e temente a Deus, não o permitia que desse de ombro a esse inusitado incidente,
e deixasse a expedição partir sem antes conhecer a origem deste fato e entregar
ao seu sobrinho o caso completamente equacionado. Dar-lhe-ia as ferramentas
necessárias para se por ventura, tivesse que enfrentar a mesma situação no
decorrer da viagem, saberia como fazê-lo.
Ficou horas a pensar a
quem pedir ajuda para solução do problema. Veio-lhe então à mente, a figura do
Pe. Juan. Sim, estava aí a peça que faltava em seu tabuleiro! Ele era a pessoa
indicada a lhe ajudar. Nada melhor que um jesuíta que conhece como ninguém
conflitos étnicos, quantos casos já teria antes resolvido? Veio então em sua
lembrança um ocorrido há dois anos atrás, em Tanera, bem ao norte da Espanha,
quando os comerciantes na maioria libaneses, se sentindo escorchados pelos
cobradores de impostos, se recusaram a pagar suas taxas imposta pela Exatoria
de Rendas, ocasionando um grande tumulto seguido de mortes, só chegando ao
término pela pronta intervenção do Pe. Juan, chamado as pressas a intermediar
tal conflito.
Por um decreto do
Governador daquela província, foram reduzidas drasticamente as taxas e impostos
cobradas até então, e a Exatoria passou a conviver a partir daí em estado de
graça com os comerciantes insurretos. Outros feitos foram também conquistados
pela intervenção pronta e diplomática da Ordem da Companhia de Jesus, sempre
tendo a frente à figura respeitada e negociadora desse jesuíta de origem
hispânica, que mais parece um embaixador dentro do seu próprio território a
resolver conflitos desta magnitude. A Ordem o tem em seu mais elevado apreço, e
por várias vezes já o indicaram para promoção em cargos mais altos da sua
hierarquia, sendo, entretanto, rechaçada veementemente por ele, com o argumento
que isso tolheria sua ação e desenvoltura no trato com as partes litigantes.